
O bacalhau com presunto e natas
Os
Pirineus iam passando pela janela do trem, serpente de aço que
avança à mais de 300kms por hora. As colinas vão
dando lugar às altas montanhas e assim vai passando o tempo. As
vezes torres medievais aparecem nas margens de rios cristalinos e as
vinhas, onipresentes na região
sudoeste, vão
enfeitando a paisagem neste novembro outonal. As folhas com seus tons
avermelhados dão
um toque especial e compensa o céu cor de prata, coberto de nuvens
que anunciam frio e mudanças invernais.
Assim como
as vinhas, as cidades desfilam tambem: Toulouse, Carcassonne,
Narbonne, Montpelier, Nimmes...até que na Part Dieu, em Lyon, o trem
termina sua longa viagem. Estar com outros colegas, pastores e
pastoras, é poder respirar, abrir o coração,
contar piadas eclesiasticas e perceber que homens e mulheres da
igreja, são gente,
normais, alegres e sofridas. A miséria não
polpa ninguem! O filho de um colega nasceu com uma doença incurável,
um parente querido de outro se foi e a prima de outra, casada com
pastor, está se
divorciando.
De volta ao
quarto na Maison Saint Joseph, eu pensei no quanto a pastoral de Lyon
se parece com a reunião
da qual voltei dois dias antes de pegar, de novo, a estrada, de
ferro. Que seja na reunião em
francês, ou naquela para
pastores e missionários
brasileiros em terras européias; em ambas as mesmas
indagações alimentam a
conversa.
Foi na
semana passada, que saindo de casa, pegando a rodovia que passa atrás
de nossa cidade, seguimos o caminho que muitos fazem à pé, e fomos
não à Compostela, mas à
Galicia espanhola. De lá,
pegando a estrada montanhosa, seguimos para o norte de Portugal.
Chegando na nação que
tanto marcou nossa história,
vendo passar pela janela cidades que são
sobrenomes conhecidos de nossa gente, ficamos supresos pela beleza
que, em vão, a fina
cortina de chuva, tentava esconder. Interessante pensar que um país
tão minusculo
tenha influenciado tanto a historia das navegaçoes do planeta!
Tem viagens
que formam a juventude, como se diz aqui na França. Viajar nos ajuda
a ver culturas e povos com uma nova perspectiva. Para nossa familia,
as viagens aqui pela Europa não
somente ajudam a conhecer lugares históricos
e belos deste continente que me adotou, mas principalmente para
entender algo vital para nossas vidas missionárias:
a alegria, as tristezas, os desafios de amigos que como a gente,
labutam nesta terra as vezes tão
ingrata e árida.
Porto,
na época romana designava-se Cale ou Portus Cale, sendo a origem do
nome de Portugal. Ali, entre os espinhos, mora um casal
de amigos que aprendemos a conhecer. Naquela terra de vinhos
excelentes, percebemos uma vez mais que somente quem vive em
formigueiro pode entender o que é a vida dificil de uma formiga.
Quem vê a vida que levamos aqui de longe, pode dar palpites e até
se emocionar com relatos eloquentes, todavia, quem nunca navegou não
sabe o que é ficar enjoado em alto mar. E que diga ainda o famoso
portugues : «Navegar é preciso, viver é preciso ».
De Espinho,
a estrada pegamos, passando por tantos lugares conhecidos e outros
menos: Coimbra, cidade do saber, Fatima, cidade de apariçao,
Condeixa da Claudia e assim vai seguindo o Portugal, assim a gente
chega em Lisboa e encontra outros amigos, outros contatos daqui,
dali, de longe, de perto, gente que conhecemos nos anos de
peregrinaçoes missionárias
por esse vasto mundo.
Gente do
Reino Unido, da Espanha, do Brasil, do Estados Unidos... Da Italia os
amigos beneditos, trazem sempre um sorriso, que sabemos as vezes
escondem lagrimas quentes como um verão
romano. Com gente assim nem precisamos falar muito, apenas um olhar e
já percebemos muita
coisa, pois temos experiências
tão parecidas, e juntos
já passamos pelos mesmos
vales, pelas mesmas dores e ja escalamos as mesmas montanhas.
Os pastores
vindo do Brasil proclamam verdades eternas, enquanto a gente se
emociana. As vezes são
gargalhadas; outras, lagrimas, pois mesmo quem tem fama de palhaço,
com um pouco de sensibilidade pode fazer chorar tambem. As histórias
de sofrimento, escasses e perseverança, são
mais interessantes do que as que falam de números
que a gente aqui nem consegue escrever, pois grandes demais para
nossa realidade de domingos com 20 , 33 e as vezes, em tempos de
festas, 50. Dificil para quem vive de Europa descretianizada pensar
em Cinquenta e seis mil e la vai fumaça, numa unica igreja local!
Assim
começa, mas tambem termina a conferência
Fortalecer em Portugal e a gente pega a estrada de volta, parando em
Vila Real na casa de gente boa e acolhedora que nunca tinhamos visto
antes. Numa cidade que me fez pensar no Kiko e na Chiquinha, a gente
passou à Espanha e enfrentou horas atravessando uma paisagem
monótona que convida o
motorista à uma boa e perigosa siesta atrás
do volante.
Quando
finalmente chegamos na verdejante, molhada e montanhosa região
Basca, os olhos já não
aguentavam ficar abertos e o coração
se lembrava do bacalhau com bacon e natas que comemos com amigos num
vilarejo do norte do Portugal. Alias, diante da imagem de herois de
uma guerra ja conquistada, diante dos olhos de amigos preciosos,
diante do bate papo saboroso, a gente até esquece o famoso prato
lusitano. A amizade tem mais sabor, mais valor do qualquer culinária,
qualquer passeio, qualquer viagem. A companhia de pessoas que sabem
sorrir quando festejamos e chorar quando passamos pelo vale da sombra
é tudo que queremos, tudo que precisamos.
O trem da
pastoral chegou na estação
em Bayonne às 0 horas e 39 minutos no dia 8 de novembro. Terminado
os bacalhaus e a saborosa comida de Lyon, volto para casa, vendo a
chuva cobrir a cidade, atravessando o rio caudaloso que corre ligeiro
para o oceano. A vida não
para quando a gente volta para casa, ela apenas começa, pois quando
aterrimos , a realidade toma seu devido lugar e o sonho fica
para trás nas
conferências da vida.
Um por todos
e todos por um !